Recebo do meu amigo José Marques (Coordenador Adjunto da 12ª Coordenadoria de Educação), a degravação do programa da TVE, onde o Tarso fala sobre o estudo que está sendo feito no Governo do Estado a respeito da Meritocracia. Esse documento foi repassado ao Jose Marques pela Eulália (Secretária Adjunta de Educação). É importante sua leitura, para que possamos ter bem claro sobre o que o Governador Tarso falou sobre o tema.
Letícia Duarte (ZH) – Com relação a meritocracia, o senhor já se posicionou contra o termo em si da meritocracia, mas defende algumas avaliações por mérito, até se fala da proposta em Canoas que seria uma referência talvez para o Estado. Eu gostaria de saber de que forma isto vai ser implementado, se o governo vai levar adiante, embora haja essas resistências do próprio Cpers. De que forma isso vai ser feito?
Lógico, o Governo esta fazendo um estudo, uma discussão e irá apresentar aos servidores da educação uma proposta de qualidade da educação, baseada em dois elementos.
Primeiro, o controle externo da avaliação. Que vai ter a presença de instituições acadêmicas avaliando a avaliação. Isto não é novidade, foi o sistema que eu implantei no país, os SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior) que são comissões que fazem de fora na Universidade que também se auto-avalia, a avaliação do Ensino Superior. Estes SINAES que foi implantado sob minha direção no Ministério da Educação, cujo gerente elaborador técnico foi o ex-reitor Hélgio Trindade, é um exemplo hoje para todo o mundo, para toda a América Latina, como um sistema moderno e correto.
A Segunda característica é a de que tem ser sim, tem que ter uma avaliação de mérito do trabalho dos professores, aquele professor que trabalha melhor, que qualifica melhor os seus alunos, ele tem que ser reconhecido através dos seus méritos. Porque é um mérito do sistema e também um mérito individual. Como engendrar esse sistema para não cair numa visão meritocrática, que é outra coisa eu insisto, e que serve muito bem para a empresa privada, é a discussão que nós vamos fazer agora. Não vai haver a transposição mecânica nem dos SINAES para cá, porque nós somos um estado e não um Federal, e a nossa avaliação é a do sistema da educação média, do nível médio e da educação fundamental. E a questão do mérito também não vai ser uma transposição mecânica de Canoas, porque é uma cidade pequena em que é muito mais fácil de fazer essa avaliação com um número reduzido de escolas.
Agora esse projeto do Jairo para Canoas, foi muito bom para Canoas. Ele tem o indício correto que é a fixação do professor na sala de aula, que é uma compensação para os servidores a partir da qualidade da educação, da reação dos alunos, do aproveitamento dos alunos a partir de avaliações que são feitas. Então, isso daí nós temos que avaliar, e vamos discutir sim, com o Cpers e com toda a sociedade. Essa questão da qualidade da educação não pode ser uma discussão corporativa, ela tem que ser uma discussão que se faz com a sociedade e com os professores e também com a academia e também com as organizações da sociedade civil, porque a melhoria da educação não diz respeito somente aos mestres aos professores e sim ao conjunto da sociedade.
Letícia Duarte (ZH) – Recentemente o secretário da Educação chegou a dizer que isto não estava em discussão dentro do Governo. Pode se dizer que existe um conflito de visões sobre a Educação?
Não, o que o Zé Clóvis disse, eu li a entrevista dele, inclusive o cumprimentei porque ele falou da maneira adequada. Ele disse que o modelo de Canoas é o modelo de uma cidade, não ta em discussão aplicar um modelo de uma cidade no conjunto do Estado. E segundo a nossa visão não é a de meritocracia. Quando as pessoas falam de meritocracia às vezes me da à impressão de que elas não sabem o que é. Meritocracia é a institucionalização dentro de uma empresa, seja ela qual for, de uma avaliação de mérito dos trabalhadores dessa empresa para que eles concorram entre si, melhorem a qualidade do trabalho. Que visa o lucro. E que no limite se este trabalhador não se enquadra na meritocracia, ele pode ser demitido pelo seu patrão. No termo de vocês aqui, que trabalham em uma empresa privada e é instituído um sistema meritocrático, que é importante, vocês estão disponíveis a qualquer momento a serem demitidos pelo seu patrão.
Felipe Vieira (Rádio Guaíba/Record) - É bom para a educação essa disputa?
Não, não é bom não para os professores uma disputa entre os professores. O que tem que haver é uma relação do professor com os alunos e com os pais que é a quem ele presta contas. O objeto do trabalho do professor é uma criança, um jovem e esta criança, este jovem, não pode ser tratado com critérios de mercado. Até porque esta criança, este jovem não está sendo preparado exclusivamente para o mercado. Está sendo preparada para a vida, onde o mercado é apenas um elemento.
Felipe Vieira (Rádio Guaíba/Record) – É o principal elemento governador.
Não, não é o principal não. A pessoa tem que ter autonomia inclusive, a partir do momento em que ela recebe uma carga educacional de qualidade, para resolver o que vai ser a sua vida. Na sua vida essa pessoa pode ir para o mercado, ela pode trabalhar numa ONG, essa pessoa pode ir trabalhar no serviço público. Veja o seguinte, o que nós estamos falando na verdade, é de como a pessoa se posta perante a vida. E nós estamos falando que nós preparamos os nossos jovens para ser uma peça no mercado e para ser cidadãos. Que o “alvo” do mercado partiu das suas determinações, a partir das suas escolhas, da sua visão de mundo. Quem escolhe, por exemplo, uma determinada carreira de ser professor na Universidade, não está escolhendo para a sua vida uma profissão mercantil. Está escolhendo o serviço público. A pessoa que vai procurar uma empresa para trabalhar e se oferece para trabalhar ou que monta uma empresa, essa pessoa tem que estar preparada para enfrentar as disputas do mercado.
Felipe Vieira (Rádio Guaíba/Record) – Mas o senhor já tem a fórmula no bolso Governador, está nos escondendo?
Nós temos um trabalho em andamento. Eu vou dar um exemplo concreto se me permite. Um professor cujo desempenho na escola leva a que os alunos dessa escola aprendam melhor. Como é que ele deve ser contemplado? Deve ser contemplado com ascensão que está relacionada com o seu mérito porque o produto de seu trabalho em relação aos alunos deu um resultado superior. Isso é mérito. Um outro tipo de promoção é por tempo de serviço. E esse sim pega indistintamente todos os professores tendo eles mérito ou não.
Letícia Duarte (ZH) – Eu gostaria de saber concretamente quando o governo irá apresentar esse projeto e como deve ser superado esse conflito e divisões que existem dentro do próprio governo?
Não, dentro do governo não existe conflito de divisões. Quem da a visão do governo é o Governador. A partir da discussão com seus secretários, com os cargos técnicos. Então chega um momento sobre qualquer assunto em que o governador dá a linha e sintetiza a visão do governo. Então não há conflito. O que há é uma elaboração, uma discussão com diversas fontes de pensamento para que nós possamos informar a sociedade de como serão feita as reformas e em que direção serão feitas, inclusive na discussão com o próprio magistério. Isso nós fazemos de uma maneira tranqüila, para que você tenha uma idéia Letícia, nós já fizemos quatro reuniões, eu com a equipe da Secretaria da Educação, para fazer essa elaboração conjunta. E nós já estamos afinando, talvez mais umas duas reuniões e nós vamos produzir o nosso conceito. Nosso conceito de controle externo de avaliação e o nosso conceito de evolução do mérito, que vai sim ter um olhar muito especial para aquele professor mais dedicado, que está mais em sala de aula e que ensina melhor os seus alunos porque isso é estimulante para o conjunto da categoria. Agora nós vamos fazer de uma forma que não gere uma guerra entre os professores e uma disputa interna inclusive nas escolas que pode ser mais nociva que qualquer projeto de reforma que se possa fazer.
Marco Weissheimer (Portal Carta Maior/ blog RS Urgente) – Essa palavra meritocracia ela não caiu do céu, é uma palavra que no debate educacional tem uma data de nascimento, possui um contexto histórico de nascimento, que é o do avanço em Minas Gerais do neoliberalismo da redução do tamanho do Estado e da diminuição, portanto, de recursos, no caso da educação, para a educação pública. Então, a educação pública ela nasceu na Revolução Francesa e a idéia era a de que cabe ao Estado, Educação é um dever do Estado, assegurar aos seus cidadãos um serviço público de qualidade. Ser professor há 20, 30 anos era motivo de orgulho, as pessoas iam estudar no 2º grau para se tornar professor e eram professores qualificados, e não havia esse debate sobre a meritocracia. Então não há uma certa armadilha em colocar essa discussão sobre meritocracia no centro do debate educacional, quando hoje já se sabe, em nível nacional, não s
ó aqui no Estado. Um debate sobre a necessidade de se aumentar o volume de recursos do PIB para a educação como um todo. Não é esse o debate central para melhorar a situação da educação em todo o país?
Eu sou filho de professor, e o meu pai dava aula de terno, ele era professor da Escola Estadual Manoel Ribas, fui aluno dele inclusive. Fui professor da rede privada durante um bom tempo e fui Ministro da Educação. Então, eu tenho algum tipo de informação, de leitura e de experiência na área educacional. E a questão educacional no Brasil ela tem mais de uma vertente. A primeira delas é a péssima remuneração dos professores, coisa que nós resolvemos agora com as Universidades nas reformas que nós fizemos e que pacificou a Universidade, inclusive em termos de qualidade. Eu não sei se vocês lembram, mas nós tínhamos duas greves de professores universitários por ano e há muito tempo não temos porque nós começamos a dar um tratamento digno aos professores e passamos a exigir mais deles, no âmbito da Universidade. Isso foi um processo de composição que a gente fez a partir das reformas que o presidente Lula encaminhou via Ministério da Educação. Então, a primeira fonte é a remuneração e os recursos para o sistema educacional. Segunda fonte, isso em relação particularmente ao sistema educacional do nível médio e de nível fundamental. Um empobrecimento geral da sociedade, a marginalização de vastos setores da sociedade em torno das grandes cidades o que deteriora as condições inclusive de permanência da criança na escola e de segurança da criança na escola. É um problema gravíssimo do país isso. Sobre isso a questão de recursos para a educação e a qualidade material do sistema educacional eu nunca vi os consultores privados falarem sobre isso. Eu vejo os consultores privados falarem sempre, nessas revistas nacionais que eles aparecem dando conselho, apresentando um micro-exemplo de uma boa escola, seja pública ou privada. Eu apresentei aqui no sistema educacional do Estado um exemplo de uma escola que é uma escola que até o jornal Zero Hora fez uma matéria sobre isso, que é uma escola de excelência. Tem uma boa relação com a comunidade, as professoras são dedicadas embora ganhem pouco, agora nós demos uma melhorada no salário dos professores aqui no Estado. Enfim, apresentei um micro-exemplo de uma escola pública. Um consultor privado quando examina o sistema educacional, ou ele pega uma escola privada, uma escola como exemplo, e diz que isso aqui deveria ser feito em todas. Estamos todos de acordo, agora como que se faz isso? Através de um gesto de imagem? Não, é uma questão de recursos, de formação de professores é uma questão de organização do sistema educacional como um todo. Então, eu sinceramente não reconheço até agora em nenhuma e nenhum consultor privado desses que aparecem por aí, algum tipo de seriedade para tratar do ensino público. Para tratar do ensino privado pode ser outra coisa. Eu tenho lido todos eles com muita atenção e com muito afinco. Foi exatamente aqueles consultores que atacaram o ProUni, aquela coisa que encheu de pobre as Universidades privadas, atacaram a reforma do ensino superior que nós fizemos com a melhoria do salário dos professores, diziam que os professores da rede federal não trabalhavam, está aí agora a nova qualidade das escolas superiores.
Então, tem uma dialética que não funciona nessas consultorias e a grande evasão por assim dizer é a transferência desse conceito de meritocracia nas escolas públicas, como se as escolas públicas pudessem ser tratadas como empresas, que não são. São instituições públicas estatais que estão inclusive nas franjas da sociedade que tem uma enorme dificuldade de socialização das pessoas, de integração da comunidade na escola e que tem uma função pública extraordinária. Então, é assim o escapismo, essa visão de meritocracia aplicada mecanicamente no ensino privado, que é um escapismo de quem não tem na verdade projeto para resolver a questão do sistema educacional. Que passa por recursos, passa por melhorar os salários dos professores, por formação, e passa sim também por reconhecer o mérito daqueles professores que passam a ser a vanguarda nas suas regiões e que devem servir de exemplo para os outros.
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