sábado, 15 de outubro de 2011

PT INFLEXIONA NA DIREÇÃO DO PARTIDO MILITANTE

Por Raul Pont

A cena foi semelhante. Quem estava em São Bernardo do Campo, em 1991, no 1º Congresso do PT, deve ter sido tomado pela mesma lembrança e emoção. Naquele momento, as mulheres petistas de todas as correntes invadiram o plenário no velho estúdio cinematográfico da Vera Cruz, reverteram a posição majoritária entre os delegados e conquistaram a cota de 30% nas instâncias de direção e representação partidárias.

Passados vinte anos, em Brasília, as mulheres de todas as tendências petistas, de novo, ocuparam a frente do plenário, contagiaram os delegados e aprovaram a igualdade de gênero no Partido dos Trabalhadores, para todos os órgãos de direção.

Essa e outras mudanças estatutárias foram o destaque no 4º Congresso do PT. Pela importância das medidas – cota de juventude e étnico-racial, limite de mandatos parlamentares, sustentação financeira pelos filiados, reafirmação da democracia interna, entre muitas outras – e principalmente pelo simbolismo de algumas, o 4º Congresso mostrou que a militância partidária está viva, presente e atenta ao futuro do PT. Nossas tendências internas organizam o debate e se expressam nos momentos congressuais, mas acima delas a militância do PT sabe reconhecer nos momentos difíceis e de crise que medidas podem fortalecer e revigorar o partido. Nesses trinta anos, a base partidária sempre se posicionou na defesa da democracia interna, de suas conquistas históricas e do nosso horizonte socialista.

O saldo orgânico do conjunto de emendas é positivo. O PT inflexiona na direção do partido militante, recupera os organismos setoriais e os orienta no sentido da luta e da ação social. Retoma a ideia inicial de um partido de militância, sobrepondo-se aos meramente eleitorais da tradição partidária brasileira.


Novo eixo de desenvolvimento

O 4º Congresso aprovou, também, uma resolução política que vai além da conjuntura. O texto faz um balanço do período Lula, o projeto político e o conjunto de programas positivos para a população desenvolvidos nesses oito anos. Avalia o cenário mundial e constata a instabilidade que se prolonga nos centros do capitalismo desde 2008 e agora, em especial, nas economias mais frágeis da União Europeia.

A resolução evidencia que o novo eixo de desenvolvimento do mundo transfere-se sensivelmente para a China, a Índia, o Brasil, e com isso crescem nossas tarefas de integração econômica e política da América do Sul e Caribe.

A análise aprovada constitui-se em leitura obrigatória e reflexão para todo o partido, mas deve, também, nos preocupar porque, ao par dos avanços e conquistas alcançados com os governos Lula e Dilma, os “desafios do momento” apontados são também grandiosos.

“Defendemos outro modelo de desenvolvimento (...) e tal modelo implica criar condições para reformas estruturais, articuladas ao aprofundamento da democracia e da construção de uma nova sociedade”, diz o texto. Logo adiante, reforça a tese de que a resolução dos desafios está ligada a “novos avanços na democracia, entre os quais se destacam a reforma política, a democratização dos meios de comunicação, mudanças na natureza do Estado...”

Se esses são os desafios e as tarefas imediatas na conjuntura, mesmo com alta dose de otimismo não há como desconhecer que essas intenções estão muito longe dos gestos efetivos da política real praticada no país.

Ao longo do período, mesmo com a maioria teórica no Congresso, os temas da reforma tributária, da reforma político-eleitoral – tentativas de 2007 e 2009 que nem foram votadas em plenário –, da incidência de algum controle público ou de democratização do oligopólio que domina os meios de comunicação, dos limites da propriedade fundiária, entre outros, não avançaram.

Especialmente no plano federal, não conseguimos levar adiante nenhum processo de participação popular na gestão pública com poder de deliberação. As poucas experiências restringiram-se ao Plano Plurianual do primeiro governo Lula e às Conferências Setoriais Nacionais de caráter consultivo. Experiências muito aquém do que já realizamos em municípios e estados administrados pelo PT e por seus aliados.

Como avançar na direção dos desafios propostos se não conseguimos coesionar nem a “base aliada” no governo? Em relação à reforma político-eleitoral, por exemplo, enquanto nos batemos pelo financiamento público e voto em lista partidária, um dos partidos aliados nos responde com a transformação dos estados em “distritões eleitorais” sem partidos, sem proporcionalidade e sob o domínio do poder econômico. Outro utiliza o horário nacional do partido em rádio e TV para anunciar que “é contra e votará contra” o financiamento público e a lista partidária.


Reformas estruturais

Essa contradição flagrante aponta para uma reflexão ausente no 4º Congresso. Há uma crescente distância entre as tarefas que apontamos e a identidade programática da coalizão governamental. Se nas outras tarefas requeridas pela conjuntura as contradições são semelhantes, é evidente que a reflexão deve recair na própria tese da “governabilidade via Congresso” como base de legitimação e sustentação do governo.

Para sermos fiéis ao 4º Congresso é necessário retomar esse debate e enfrentá-lo. Como diz a Resolução Política, se as reformas estruturais estão articuladas “ao aprofundamento da democracia”, não será no atual quadro partidário da Câmara e do Senado que isso ocorrerá.

Há um enorme desequilíbrio entre a legitimação dada pela “governabilidade congressual” e a ausência de mecanismos de participação popular, de democracia direta e participativa pelos movimentos sociais.

O cenário mundial analisado na Resolução aponta, corretamente, para a “primavera dos povos”, seja no norte da África, seja nos países mais pobres da área do euro, indicando que, se há algum ponto de unidade comum entre eles, é exatamente a busca pela participação, pela democracia. Isso está presente não só nas derrubadas dos governos autoritários e ditatoriais como na Porta do Sol madrilenha, onde os jovens e desempregados clamaram por “democracia real já!”.

No Brasil, temos avançado muito. Derrubamos a ditadura, estamos mudando uma cultura autoritária racista e patriarcal de séculos, há trinta anos estamos construindo um novo período de democracia formal, de respeito à representação da cidadania e da Constituição de 1988.

Mas fomos nós mesmos, do PT, que naquela oportunidade destacamos os limites e as insuficiências substantivas de um contrato que ainda trazia as marcas do regime militar e de uma sociedade excludente.

Sem enfrentar esse desequilíbrio caminhamos para uma paralisia diante das intenções de futuro apontadas no 4º Congresso. A reforma eleitoral em curso e a preparação do partido para as eleições de 2012 serão os primeiros testes para definir o rumo vencedor do próximo período.

* Raul Pont é deputado estadual e presidente do PT/RS - publicado originalmente no site Teoria e Debate.

** Retirado do face do Camarada Lúcio Costa.

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